sábado, 23 de abril de 2011

Sete casinhas





Na estrada do Posso Frio, bem na primeira subida onde agora se encontra uma escola no lado esquerdo da estrada, antes ali era um barzinho. Um simples barzinho no alto do barranco.
Acontece que naquele tempo não existia igrejas pela região, o que havia era uma casinha muito humilde onde abrigava um padre que vinha da cidade grande para visitar estas terras de sertão e mata virgem. Piên era muito pequeno ainda. Resumia-se num amontoadinho de casas em volta de uma prefeitura pequena que mais parecia uma residência simples.
Certo dia, numa noite de tempestade, andava o padre vindo a pé como de quem vem lá do Campo Novo e parou por ali para se esconder da chuva que desabava dos céus. Céu negro como absinto misturado com uma tempestade elétrica de dar arrepios. Entrou, tirou sua capa de chuva pendurado num cabideiro pregado na parede e foi-se achegando até o balcão. Pediu um café quente com conhaque para rebater o frio e ficou ali olhando três homens jogando truco animadamente.
Num dado momento, um vulto aparece na porta do bar. Era uma mulher. De vestido escorrido, vestido negro. Não estava molhada, nem com frio e muito menos usava guarda-chuva.
Notava-se que a mulher era velha, lá pela casa dos 80 anos e com porte de quem manda e não pede licença:
Velha – O senhor é o padre?
A velha perguntou sem se afastar da porta. Como a luz do bar era de lampião e este se encontrava dependurado num prego da prateleira de bebidas atrás do balcão da venda, a luz não clareava direito toda a distância até a porta, de modo que com os relâmpagos do mal tempo lá fora a única coisa que se via da velha era seu contorno escuro.
Padre – Sim, sou eu!
O padre respondeu tentando ver a fisionomia de quem estava ali e com certa apreensão da chegada súbita daquela criatura, o que foi acompanhado pelos homens do truco.
Velha – Eu preciso que o senhor venha comigo. Tem uma pessoa que precisa se confessar antes de voltar para casa. Dito isso, saiu no meio da tempestade e se pôs a esperar.
O padre vendo a atitude da velha nem se preocupou em pegar sua capa de chuva e segui-la seja lá pra onde ela fosse.
A velha tomou rumo duma ruazinha que tem ali à direita do bar e foi andando com passos apressados, passos que para uma velha estavam ligeiros demais. Após uma curva estavam de frente a sete casinhas, dessas meias-águas para alugar pra viajantes que estejam de passagem. Foram passando uma, duas, três, na sexta casa antes da sétima a velha entrou pela porta da sala e encaminhou-se para outra porta que dava num quarto. Reparando na casa, o padre percebeu que estava vazia, sem mobília na sala, e pelo que dava pra perceber naquela penumbra (pois dentro da casa não havia luz), não havia mobília em cômodo nenhum.
Entrando dentro do quarto estava deitado um velho de camiseta e calção. Era o velho mais enrugado que o padre já vira em toda sua vida. Só conseguia ver mais ou menos por causa de uma única vela posta em cima do umbral da cama em sua cabeceira. O padre se pôs de joelhos na beirada da cama e perguntou ao enfermo se ele gostaria de se confessar, o que como resposta ouviu uma voz grossa, como se saísse dum cano que logo foi se confessando sem perder tempo.
A impressão que se tinha era que aquele homem da cama estava com muita pressa. O homem discorreu sobre sua vida inteira com meros quinze minutos. Quando terminou, simplesmente se calou. O padre fez o que tinha de fazer e esperou mais algum tempo, como o velho não esboçava reação nenhuma, o padre tocou-lhe a mão para se despedir e levou o maior susto de sua vida! O velho enrugado estava frio como metal.
Com o coração aos pulos levantou-se de onde estava e encaminhou-se para fora da casinha, quando num lumiar de relâmpago viu a mulher, aquela velha de antes, entrar mato adentro e sumir na escuridão. Correu atrás, mas quando chegou ao local não havia nem mulher nem carreiro, só mato fechado.
Pensativo, muito pensativo o padre voltou para a sexta casinha de onde a pouco havia saído, lembrava bem qual era, pois quando chegara àquele lugar contou cada casa antes de entrar, só que desta vez a casa havia sumido, só havia um rancho de madeira podre e tinta descascada como se tivesse sido pintada há uns cinqüenta anos atrás, uma varanda coberta e a porta que dava pra uma sala lembrava em muito aquela casa que momentos antes ele acabara de sair. Foi entrando e rezando, agarrado ao crucifixo do pescoço pedia a tudo quanto é santo conhecido por proteção. Clareada pela luz dos relâmpagos viu (e passou) a sala sem mobília, os outros cômodos também, com a diferença que as frestas nas tabuas das paredes eram enormes.
Entrando no quarto, aquele quarto que tinha absoluta certeza que ali havia um velho que se confessara há pouco tempo, não encontrou nada, nem velho, nem cama. Mas notou em meio ao musgo da madeira podre uns pingos de vela derretida caído no chão justo onde deveria ser a cabeceira da cama e ao lado... a sua capa de chuva...

Eber