Na estrada do Posso
Frio, bem na primeira subida onde agora se encontra uma escola no
lado esquerdo da estrada, antes ali era um barzinho. Um simples
barzinho no alto do barranco.
Acontece que naquele
tempo não existia igrejas pela região, o que havia era uma casinha
muito humilde onde abrigava um padre que vinha da cidade grande para
visitar estas terras de sertão e mata virgem. Piên era muito
pequeno ainda. Resumia-se num amontoadinho de casas em volta de uma
prefeitura pequena que mais parecia uma residência simples.
Certo dia, numa noite
de tempestade, andava o padre vindo a pé como de quem vem lá do
Campo Novo e parou por ali para se esconder da chuva que desabava dos
céus. Céu negro como absinto misturado com uma tempestade elétrica
de dar arrepios. Entrou, tirou sua capa de chuva pendurado num
cabideiro pregado na parede e foi-se achegando até o balcão. Pediu
um café quente com conhaque para rebater o frio e ficou ali olhando
três homens jogando truco animadamente.
Num dado momento, um
vulto aparece na porta do bar. Era uma mulher. De vestido escorrido,
vestido negro. Não estava molhada, nem com frio e muito menos usava
guarda-chuva.
Notava-se que a mulher
era velha, lá pela casa dos 80 anos e com porte de quem manda e não
pede licença:
Velha – O senhor é o
padre?
A velha perguntou sem
se afastar da porta. Como a luz do bar era de lampião e este se
encontrava dependurado num prego da prateleira de bebidas atrás do
balcão da venda, a luz não clareava direito toda a distância até
a porta, de modo que com os relâmpagos do mal tempo lá fora a única
coisa que se via da velha era seu contorno escuro.
Padre – Sim, sou eu!
O padre respondeu
tentando ver a fisionomia de quem estava ali e com certa apreensão
da chegada súbita daquela criatura, o que foi acompanhado pelos
homens do truco.
Velha – Eu preciso
que o senhor venha comigo. Tem uma pessoa que precisa se confessar
antes de voltar para casa. Dito isso, saiu no meio da tempestade e se
pôs a esperar.
O padre vendo a atitude
da velha nem se preocupou em pegar sua capa de chuva e segui-la seja
lá pra onde ela fosse.
A velha tomou rumo duma
ruazinha que tem ali à direita do bar e foi andando com passos
apressados, passos que para uma velha estavam ligeiros demais. Após
uma curva estavam de frente a sete casinhas, dessas meias-águas para
alugar pra viajantes que estejam de passagem. Foram passando uma,
duas, três, na sexta casa antes da sétima a velha entrou pela porta
da sala e encaminhou-se para outra porta que dava num quarto.
Reparando na casa, o padre percebeu que estava vazia, sem mobília na
sala, e pelo que dava pra perceber naquela penumbra (pois dentro da
casa não havia luz), não havia mobília em cômodo nenhum.
Entrando dentro do
quarto estava deitado um velho de camiseta e calção. Era o velho
mais enrugado que o padre já vira em toda sua vida. Só conseguia
ver mais ou menos por causa de uma única vela posta em cima do
umbral da cama em sua cabeceira. O padre se pôs de joelhos na
beirada da cama e perguntou ao enfermo se ele gostaria de se
confessar, o que como resposta ouviu uma voz grossa, como se saísse
dum cano que logo foi se confessando sem perder tempo.
A impressão que se
tinha era que aquele homem da cama estava com muita pressa. O homem
discorreu sobre sua vida inteira com meros quinze minutos. Quando
terminou, simplesmente se calou. O padre fez o que tinha de fazer e
esperou mais algum tempo, como o velho não esboçava reação
nenhuma, o padre tocou-lhe a mão para se despedir e levou o maior
susto de sua vida! O velho enrugado estava frio como metal.
Com o coração aos
pulos levantou-se de onde estava e encaminhou-se para fora da
casinha, quando num lumiar de relâmpago viu a mulher, aquela velha
de antes, entrar mato adentro e sumir na escuridão. Correu atrás,
mas quando chegou ao local não havia nem mulher nem carreiro, só
mato fechado.
Pensativo, muito
pensativo o padre voltou para a sexta casinha de onde a pouco havia
saído, lembrava bem qual era, pois quando chegara àquele lugar
contou cada casa antes de entrar, só que desta vez a casa havia
sumido, só havia um rancho de madeira podre e tinta descascada como
se tivesse sido pintada há uns cinqüenta anos atrás, uma varanda
coberta e a porta que dava pra uma sala lembrava em muito aquela casa
que momentos antes ele acabara de sair. Foi entrando e rezando,
agarrado ao crucifixo do pescoço pedia a tudo quanto é santo
conhecido por proteção. Clareada pela luz dos relâmpagos viu (e
passou) a sala sem mobília, os outros cômodos também, com a
diferença que as frestas nas tabuas das paredes eram enormes.
Entrando no quarto,
aquele quarto que tinha absoluta certeza que ali havia um velho que
se confessara há pouco tempo, não encontrou nada, nem velho, nem
cama. Mas notou em meio ao musgo da madeira podre uns pingos de vela
derretida caído no chão justo onde deveria ser a
cabeceira da cama e ao lado... a sua capa de chuva...
Eber