Uma coisa que ninguém sabe é que
Piên já teve bruxa, não aquelas feiosas verruguentas, comedoras de
criancinhas, ou as importadas que voam de vassouras com chapelões
enormes, mas uma velha até que bem simpática procurada por muita
gente.
Procuravam dona Grena Machado para
as mais variadas situações. Desde tirar quebrante de neném,
arranjar namorados bonitões para as moças faceiras até esconjurar
pragas das plantações dos colonos desesperados e espantar
“encostos” de pessoas ou residências, desses espíritos grudentos
que quando agarram no pé da gente, não largam mais.
Dona Grena, ouvia-se falar, tinha
algumas irmãs espalhadas pela região: dona Grena Ponta-Aguda morou
em Agudos, dona Grena Tapuia próximo de Quitandinha, dona Grena
Matados era muito afamada em Lajeado dos Mortos, mas foram sumindo
sem que ninguém soubesse explicar para onde foram ou o que
aconteceu.
A velhinha morava sozinha e a
maioria dos seus despachos ou trabalhos fazia em casa, recebendo
todos ali mesmo como se fosse consulta médica, por isso nunca se
ausentava de casa, somente quando precisava comprar alguma coisa na
feira é que saia, mas voltava rapidinho.
Sua adorável companhia de todo dia
era uma cachorrada sem fim. Muitos mesmo! A matilha era enorme e
todos vira-latas, mas muitíssimos obedientes à sua dona que nunca
se esquecia de dar restos de comidas com animais pequenos descarnados
misturados a ossos. Sempre havia muito osso para a cachorrada.
Dona Grena Machado começou a ficar
preocupada com seus companheiros de estimação, porque na hora de
comer, seja durante a tarde ou à noite alta, faziam um alarido
danado latindo e correndo como desesperados, além de que ela notava
que emagreciam a cada dia. Reclamou para seu compadre, que lhe era de
muita estima. Este estava sempre por ali prestando algum servicinho
em favor de fumo ou dum bom papo com dona Grena, principalmente
quando o assunto era sobre seus trabalhos de magia, que cá entre
nós, chamaremos de simpatias simpáticas, está certo?
A única coisa que ouviu como
resposta ao assunto foi que os animais são barulhentos mesmo, e só.
Ficou assim.
Certo dia, dona Grena fez uma
experiência. Colocou bastante osso em meio à comida e levou lá
para o meio da estrada onde era o lugar mais limpo de mato e bem
iluminado pela lua para poder ver bem o que acontecia e ficou
vigiando. Enquanto a cachorrada comia, veio saindo do mato, do outro
lado da estrada, um cachorrão enorme, extremamente peludo e
orelhudo, garras compridíssimas e passos lentos. À medida que foi
se aproximando da comida os cachorros foram se afastando e deixando
tudo para ele.
Tão logo terminou de comer voltou
para o mato com todos os cachorros fazendo o maior escarcéu à sua
volta. No outro dia era quaresma e segundo as tradições bruxais,
dona Grená sabia que esse dia é que os feitiços são mais fortes,
então preparou uma armadilha.
Com espinheiros de roseta e losna
amarga, tudo bem seco, fez macumba num pé de Cinamomo. Colocou tudo
rodeando o tronco e com três velas, uma vermelha, uma preta e outra
amarela, deixou que queimassem até ao fim. Tinha de ser tudo durante
a noite diante da luz da lua. Quando as velas já chegavam ao fim, o
fogo pegou nas ervas seca e fez muita fumaça, fumaça que iluminada
pela luz da lua tornava-se muito branca, subindo pelo tronco e se
espalhando entre as folhas. No final a árvore brilhava com a mesma
brancura da fumaça iluminada, ou seja, estava encantada.
No outro dia, o grande dia da
quaresma, ela, dona Grena preparou bastante ossos para os cachorros,
mas não deu durante aquele dia, deixou para dar durante a noite, pois já desconfiava que quem comandava os cachorros e comia suas
comidas era um lobisomem. Fez questão, em uma determinada hora da
noite, de por tudo em redor do pé da árvore encantada e ficou de
longe espiando.
Como da outra vez, os animais
começaram a comer, logo veio surgindo a figura enorme e peluda que
foi se apossando da comida enquanto os cachorros se afastavam na
maior latição. Só que aconteceu que... quando o lobisomem estava
comendo, rosou o corpo na árvore e grudou. Notou que seus pelos
estavam presos ao tronco e quando foi querer se livrar, grudou mais
ainda e começou a subir como que puxado pela própria árvore. Em
meio a urros de ladração o bicho se viu emaranhado nos galhos que
se fecharam e o aprisionaram. Aí a velhinha foi dormir seu sono
simpático com dois algodõezinhos no ouvido, que é para não ouvir
muito barulho àquela noite.
Nossa simpática e mágica
vovozinha, no outro dia, levantou feliz, mais descansada, sentindo um
jeito alegre no ar. Tomou seu chazinho com torradas, deixou a mesa
limpa e foi para o terreiro a fim de dar milho para as galinhas.
Quando avistou a árvore de Cinamomo na beira da estrada a qual tinha
feito a macumba, lembrou do lobisomem que ainda deveria estar preso
lá. Foi conferir.
Qual foi o susto pela visão, e
maior ainda o espanto de ver, preso entre os galhos, pelado, seu
estimado compadre.
Ao ver dona Grena, suplicou por
socorro, pelo que ela lhe explicou que a macumba só passaria se
repetisse o trabalho tudo de novo durante a noite. Só então a
árvore desencantaria e ele desceria.
Teve de ficar naquela situação
durante todo o dia, quando chegou alta hora da noite, dona Grena fez
o trabalho novamente e foi dormir. Não quis esperar as velas
terminarem de queimar, primeiro por que sendo velhinha, precisava
descansar, segundo por que uma senhora de respeito não tinha nada
que ficar ali vendo seu compadre descer duma árvore todo pelado.
Então disse boa noite e foi dormir.
Mas o verdadeiro receio dela sabem
qual era? Que ela viesse a virar Mula-Sem-Cabeça, pois ainda era
véspera de quaresma! Ah! E o compadre?
Esse fugiu, depois sumiu,
E nunca ninguém viu...
Foi pra Mongólia?
Perdeu a vitória...
Acabou-se a glória.