sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um Tropel que ninguém viu

Um Tropél que ninguém 

Um Tropel que ninguém viu (Piên - Poço Frio - 2011)
Como é de costume para quem lida com fumo, combinávamos de quem seria a vez de pernoitar na estufa classificando as folhas e atendendo o fogo de secagem das folhas.
Eu e meu irmão nos prontifiquemos de iniciar a semana e no dia seguinte seria a vez dos velhos. Sempre algum contratado para o serviço de classificação acompanhava ou a nós, ou aos velhos. Os velhos de que falo é meu pai e minha mãe. Estão ainda vivos até hoje.
Bem, acontece que durante aquela noite, começou a soprar um vento forte, quente, como se fosse o ar de dentro da própria estufa. A diferença do fato era que o vento quente vinha do mato.
O mato se encontrava bem á nossa frente, pois a porta de entrada de estufa era virada para o matagal. Depois da beira que dividia o mato do nosso terreiro, tudo o que vinha era uma mata fechada, densa e escura. Escura até nos dias mais claros e quentes do verão.
O suador que passamos naquela noite foi de cozinhar osso. Durante todo o tempo eu escutava um tropel de cavalos correndo pela mata e relinchos como se houvesse um cinqüenta deles. Um pouco antes do alvorecer os relinchos emudaram, o tropel foi apagando e o vento quente sumiu. Chegamos em casa ressabiados, com as roupas empapadas de suor e alvoroçados. Claro que despertou uma certa curiosidade nos demais da casa.
No outro dia, abaixo de caçoadas e chacotas fomos pernoitar todos na vigília de estufa, classificando fumo e cuidando do calor para a secagem das amarras de folha. Numa altura de madrugada, todos entretidos com seus afazeres, meu pai notou que por menos lenha que colocasse no forno da estufa, ela continuava quente demais. Desconfiado e com falta de ar saiu se refrescar, mas, o que notou de imediato era o ar esquisito que encontrou. Um vento quente, como se fosse da boca dum forno, soprava de dentro do mato para dentro da estufa, tomava conta de todo o pátio e chacoalhava as copas das árvores em toda a nossa volta.
Minha mãe e um rapaz contratado largaram os fardos de fumo e vieram correndo dizer que escutaram alguma coisa, foi quando todos prestaram atenção no barulho de vento e realmente, junto da ventania quente vinha crescendo um tropel de cascos de cavalo e relinchos, como se a mata estivesse completamente tomada de uma legião de cavalos. A ânsia de saírem correndo dali foi desesperadora, mas ninguém moveu um músculo sequer.
Estávamos todos paralisados de pavor. Meu pai foi caminhando devagar até a parte da frente da estufa onde tinha uma área de cobertura e uma mureta que separava o pátio. Todos nós viemos logo atrás. Assustados olhávamos pro mato esperando que a qualquer momento os cavalos irrompessem de lá. A barulheira era terrível e crescia cada vez mais.
Dali a pouco o mato á nossa frente chacoalhou como se estivesse sendo castigado, ou como se criasse movimento próprio. Galhos, folhas e muita terra brotavam do chão e voavam pelos ares como se estivessem sendo chutadas por muitas patas, só aquilo para cima da gente. Tivemos que se proteger uns aos outros e tampar os rostos para não ficar cego com tanta terra e cisco que vinha com a ventania.
Todos escutávamos o tropel pelo pátio em direção á estufa, mas ninguém via nada! De repente meu pai gritou cuidado e abriu os braços se afastando todo mundo de perto da mureta. Foi quando vimos uma centena de pegadas de cascos de cavalos se aproximando rápido e com uma violência tal que arrancava grama e terra do chão fazendo voar terrões para todo o lado. O tropel parou quase em cima da mureta e o que ouvíamos era de se arrepiar: o fungado dos cavalos bem na nossa frente. Dezenas, ou até centenas de bufadas soprando pó de terra e bafo quente nas nossas caras.
Num momento de lucidez, notamos que o amanhecer vinha surgindo no horizonte. Uma linha prata se formava rápido lá adiante dos montes. Á medida que surgia o dia, sumia o vento quente, desaparecia o barulho infernal dos cavalos, tudo voltava na mais tranqüila calmaria. Excedo por um detalhe: o cavoucado dos cascos ainda estão lá... Até hoje!

Eber