Como é de costume para
quem lida com fumo, combinávamos de quem seria a vez de pernoitar na
estufa classificando as folhas e atendendo o fogo de secagem das
folhas.
Eu e meu irmão nos
prontifiquemos de iniciar a semana e no dia seguinte seria a vez dos
velhos. Sempre algum contratado para o serviço de classificação
acompanhava ou a nós, ou aos velhos. Os velhos de que falo é meu
pai e minha mãe. Estão ainda vivos até hoje.
Bem, acontece que
durante aquela noite, começou a soprar um vento forte, quente, como
se fosse o ar de dentro da própria estufa. A diferença do fato era
que o vento quente vinha do mato.
O mato se encontrava
bem á nossa frente, pois a porta de entrada de estufa era virada
para o matagal. Depois da beira que dividia o mato do nosso terreiro,
tudo o que vinha era uma mata fechada, densa e escura. Escura até
nos dias mais claros e quentes do verão.
O suador que passamos
naquela noite foi de cozinhar osso. Durante todo o tempo eu escutava
um tropel de cavalos correndo pela mata e relinchos como se houvesse
um cinqüenta deles. Um pouco antes do alvorecer os relinchos
emudaram, o tropel foi apagando e o vento quente sumiu. Chegamos em
casa ressabiados, com as roupas empapadas de suor e alvoroçados.
Claro que despertou uma certa curiosidade nos demais da casa.
No outro dia, abaixo de
caçoadas e chacotas fomos pernoitar todos na vigília de estufa,
classificando fumo e cuidando do calor para a secagem das amarras de
folha. Numa altura de madrugada, todos entretidos com seus afazeres,
meu pai notou que por menos lenha que colocasse no forno da estufa,
ela continuava quente demais. Desconfiado e com falta de ar saiu se
refrescar, mas, o que notou de imediato era o ar esquisito que
encontrou. Um vento quente, como se fosse da boca dum forno, soprava
de dentro do mato para dentro da estufa, tomava conta de todo o pátio
e chacoalhava as copas das árvores em toda a nossa volta.
Minha mãe e um rapaz
contratado largaram os fardos de fumo e vieram correndo dizer que
escutaram alguma coisa, foi quando todos prestaram atenção no
barulho de vento e realmente, junto da ventania quente vinha
crescendo um tropel de cascos de cavalo e relinchos, como se a mata
estivesse completamente tomada de uma legião de cavalos. A ânsia de
saírem correndo dali foi desesperadora, mas ninguém moveu um
músculo sequer.
Estávamos todos
paralisados de pavor. Meu pai foi caminhando devagar até a parte da
frente da estufa onde tinha uma área de cobertura e uma mureta que
separava o pátio. Todos nós viemos logo atrás. Assustados
olhávamos pro mato esperando que a qualquer momento os cavalos
irrompessem de lá. A barulheira era terrível e crescia cada vez
mais.
Dali a pouco o mato á
nossa frente chacoalhou como se estivesse sendo castigado, ou como se
criasse movimento próprio. Galhos, folhas e muita terra brotavam do
chão e voavam pelos ares como se estivessem sendo chutadas por
muitas patas, só aquilo para cima da gente. Tivemos que se proteger
uns aos outros e tampar os rostos para não ficar cego com tanta
terra e cisco que vinha com a ventania.
Todos escutávamos o
tropel pelo pátio em direção á estufa, mas ninguém via nada! De
repente meu pai gritou cuidado e abriu os braços se afastando todo
mundo de perto da mureta. Foi quando vimos uma centena de pegadas de
cascos de cavalos se aproximando rápido e com uma violência tal que
arrancava grama e terra do chão fazendo voar terrões para todo o
lado. O tropel parou quase em cima da mureta e o que ouvíamos era de
se arrepiar: o fungado dos cavalos bem na nossa frente. Dezenas, ou
até centenas de bufadas soprando pó de terra e bafo quente nas
nossas caras.
Num momento de lucidez,
notamos que o amanhecer vinha surgindo no horizonte. Uma linha prata
se formava rápido lá adiante dos montes. Á medida que surgia o
dia, sumia o vento quente, desaparecia o barulho infernal dos
cavalos, tudo voltava na mais tranqüila calmaria. Excedo por um
detalhe: o cavoucado dos cascos ainda estão lá... Até hoje!
Eber