terça-feira, 11 de outubro de 2011

A avó do Belzebu (conto de encantamento)


Um colono tinha uma filha muito linda. A filha bela e educada ajudava em todos os afazeres de casa e ainda acompanhada o pai para a roça.
Certo dia estavam eles trabalhando na plantação de fumo quando uma bruxa se apresentou pegando a moça de surpresa. A bruxa assoprou um pó negro no rosto da moça fazendo com que ela desmaiasse. Mas ela não somente desmaiou como também começou a mudar, se transformar, envelhecendo sem parar. Enquanto a moça envelhecia devagarzinho, uma fumaça cor de prata subia do seu corpo e entrava direto no nariz da maldosa.
Na verdade o que estava acontecendo era que a boniteza, a jovialidade, o rosto lindo da moça passou para a bruxa, e toda feiúra, verrugas, pelos e cabelos desgrenhados e narigão torto passaram para a jovem.
O pai da moça não percebeu nada, pois tudo aconteceu no oculto da plantação. De repente uma risada alta e estridente quebrou a tranquilidade da natureza. O homem levantou os olhos e viu quando a megera saiu pulando, rindo e pulando muito alto, cada pulo passava a altura da copa dum pinheiro ou dum pé de eucalipto.
O pai saiu correndo desesperado até onde se encontrava sua filha e a encontrou desmaiada, feia, muito velha e toda embolotada de rugas e verrugas.
Com todo carinho que tinha dentro no coração o pai pegou a filha nos braços e levou para casa. Chegando lá a mãe da menina não suportou a terrível visão e desmaiou. O pai se desmanchou em choro desesperado e prometeu que haveria de encontrar uma cura.
Assim como existem bruxas más, também existem bruxas boas. Assim como existem fadas boas, também existem fadas más. E nosso homem sabia disso, pois já ouvira falar duma bruxa que fazia remédios, despachos, mágicas e benzimentos para o povinho da sua vila. O problema é que a tal vila ficava a dois dias de viagem a pé pelo meio da mata.
O pai da moça pegou uma mochila, colocou ali algum alimento, roupas e recomendou sua mulher para que cuidasse bem da filha, que não recebesse ninguém, nenhuma visita, até que retornasse com a cura.
Depois de um dia inteiro de viagem e metade do outro, ele encontrou uma casinha de palha onde morava uma velhinha. Uma velhinha muito velha, mas tão velha que o homem ficou na dúvida se era bruxa, fada, fantasma ou se a velhinha teria mais de trezentos anos.
Perguntando sobre a bruxa boa, a velhinha ensinou o caminho e entrou rapidinho para dentro de casa. O homem ficou ali parado na frente da casinha pensando no por que da pressa e reparando na choupana de palha em que ela morava. A choupana era feita de madeira, uma madeira de cor preta. Não é tinta não! É uma madeira chamada ébano. Telhado de palha. O que chamava atenção é que a choupana tinha dois andares, com três janelinhas no telhado e varanda também coberta de palha, varanda por toda a volta da casinha. Uma casa bem parecida é aquela que tem depois da entrada do Piên, bem ao lado do rio.
O homem se dirigiu até o endereço ensinado e encontrou uma casa bonita, grande e colorida, feita de alvenaria. Uma moça se apresentou como dona da casa. O pobre homem contou a sua história e a moça acabou por lhe revelar um segredo. Aposto que ninguém nunca pensou sobre o que vou revelar agora. Quer dizer, o que a moça bruxa revelou! “A magia das bruxas vem do “coisa ruim”, do belzebu. Não pode ser desfeito por qualquer outra magia. Somente modificado.
Vocês lembram-se da Bela Adormecida? As fadas não puderam desfazer o feitiço da fada má (por que fada má é bruxa), mas conseguiram modificar fazendo ela dormir por cem anos. Então. Como eu ia dizendo...
Uma vez lançado o feitiço, não tem mais jeito. O único que sabe desfazer esse tipo de feitiço é o próprio belzebu, o próprio dono da mágica.
A bruxa boazinha (por que bruxa boa é fada) ensinou que a única capaz de conseguir o remédio para tamanho feitiço seria a própria avó do “coisa”. Ela é muito antiga. Muito mais antiga que o próprio neto, e conhecedora de todos os segredos dele! E para surpresa do pai, a moça lhe ensinou que a vovó do “coisa ruim”  morava na floresta em uma casinha de dois andares, com três janelinhas em cima e toda coberta de palha. Inclusive na varanda!
Mas claro! O homem já havia passado por lá e até conversado com a tal velhinha!
Saiu apressado e agradecendo pela informação. Não demorou muito e já cruzava por dentro da floresta pelo mesmo carreiro que havia feito antes. Conforme a mata se fechava por cima da sua cabaça tampando o sol do dia, ele sabia que estava cada vez mais perto daquela choupana estranha e da velhinha.
Quando o sol foi escondido por completo pela mata e o breu tomou conta de tudo, uma luzinha bem fraquinha apareceu lá no final do carreiro e um fumo negro, mais negro do que a noite subia da chaminé da casa. Assustado, ressabiado e meio que tremendo, bateu na porta: toc, toc, toc!
A porta não abriu. Olhou para a janela mas não viu movimento nenhum. Olhou para o pátio da casa, para a mata, para as copas das árvores e arrepiado, assustado, ressabiado e meio tremendo, bateu na porta: toc, toc, toc!
A porta não abriu. Olhou para a janela e não viu movimento nenhum. Olhou para o pátio da casa..., para a mata..., para as copas das árvores..., de repente: nhéééééééééc (a porta abriu devagarzinho). - O que o senhor deseja? Perguntou a velha de voz rangente.
O homem perguntou se era ela a avó do “coisa ruim” o que ela respondeu de imediato que sim, era ela mesma. Então o homem contou a sua história sobre a bruxa que roubara a mocidade de sua filha e ele estava ali para conseguir o remédio. A vovó falou que só o neto é que tinha os ingredientes. Mas o pobre e desesperado homem implorou tanto, tanto, tanto que acabou por amolecer o coração da velhinha.
A vovó pediu para que o homem entrasse e explicou que seu neto estava pra chegar a qualquer momento, e se ele (o homem) resolvesse ir embora toparia com o próprio demônio pela estrada. O homem passou de todo arrepiado para todo assustado, e de todo ressabiado para todo desesperado. Começou a tremer inteiro quando a vovó lhe acalmou dizendo que o esconderia a tempo. Também lhe falou que os ingredientes para o remédio era um fio de cabelo do “coisa”, um toco da sua unha e a rapa do seu garrão. Mas não seria nada fácil porque seu neto era muito raivoso e esquentado.
Mal terminara de falar e já se ouvia os passos do tenebroso estremecendo o chão da floresta lá fora e fumegando tudo por onde passava de tão esquentado que era. A vovó colocou o homem escondido dentro do relógio cuco que se encontrava no alto da parede da sala (pois o homem era pequeno e o relógio enorme), e foi fingir que estava fazendo chazinho. O neto Belzebu entrou fazendo o maior rugido e quase arrebentando a porta mostrou o saco de almas que havia tomado do mundo. Almas que só haviam feito o que ele queria que fizesse, ou seja, maldades.
A vovó perguntou se o neto não estava cansado de tanto trabalhar e convidou-o para se sentar. Trouxe uma almofada grande para que ele pudesse esticar os pés e tirou seus sapatos para ver as unhas e o garrão. Do pé saia uma fumaça fedorenta e quente e do sapato também. Quando a vovó do “coisa ruim” estava levando o sapato lá para fora, ele perguntou por que a casa estava cheirando à carne de gente viva. Ela respondeu que não era nada, seu nariz é que tinha cheirado muita gente na hora de por no saco. E falando com jeitinho pro esquentado não esquentar ainda mais, e fazendo massagem no pé dele começou a aparar suas unhas. Um tic, dois tics, três tics e o neto já estava com raiva. Perguntou se sua avó não sabia que ele detestava cortar as unhas. Ela falou que então ia deixar daquele jeito mesmo, e guardando os toquinhos que cortara, deu a volta na poltrona e começou a fazer cafuné na cabeleira dele dizendo que ele tinha pegado piolho das pessoas que estavam no saco. Segurou um fiozinho e com muito jeito cortou e guardou junto com os cavacos de unha. O neto Belzebu estranhou as gentilezas da avó e perguntou se ela estava se sentindo bem o que respondeu que “véia” é cheia de manias assim mesmo. Deu a volta de novo e fingiu que punha chinelos nos pés do neto, quando lhe deu um forte arranhão no garrão que foi cavaco pra todo lado. Belzebu deu um pulo da poltrona fumegando de raiva e disse aos berros que sua avó já passava dos limites, que além de “véia” cheia de manias ainda era caduca do juízo, e foi para seu quarto dormir que ficava num buraco enorme e bem fundo no chão da terra.
Mais que depressa ela tirou o homem do relógio, entregou a rapa do garrão, os cavacos de unha e o fio de cabelo tudo num saquinho e empurrou-o porta a fora dizendo que era só moer bem moidinho até tudo virar um pó preto e assoprar no rosto da jovem. Dizendo isto fechou a porta e não saiu mais.
O pai da moça tratou logo de voltar pra casa, pois sabia que teria dois dias de viagem. Não encontrou incomodação nenhuma pelo caminho e nem sentiu fome. Pensou até que algum anjo o estava ajudando. Ou era a avó do “coisa ruim”? Ou a moça bruxa da vila? Só tinha certeza era que conseguira o remédio para quebrar o feitiço e estava feliz da vida.
Quando chegou em casa foi logo beijando a esposa e colocando os ingredientes do saquinho numa tigela de barro. Depois pegou um socador e moeu tudo até virar pó. Ficou espantado que as unhas, o cabelo e as cascas do garrão se moessem tão facilmente dentro do pote. Depois virou a tigela na mão da sua esposa. Ela foi bem devagarzinho com o maior cuidado até o quarto da filha e lhe assoprou o pó no rosto. Conforme a moça ia respirando, o pó negro entrava-lhe pelas narinas, e à medida que sumia lá pra dentro a jovialidade e saúde da jovem retornava com todo o seu esplendor.
Em algum lugar desse mundão, uma bruxa tomava chá e se olhava no espelho admirando sua beleza! Mas então..., foi envelhecendo, envelhecendo, envelhecendo até que só sobrou os ossinhos dela amontoados no chão.

Eber