Um colono tinha uma
filha muito linda. A filha bela e educada ajudava em todos os
afazeres de casa e ainda acompanhada o pai para a roça.
Certo dia estavam eles
trabalhando na plantação de fumo quando uma bruxa se apresentou
pegando a moça de surpresa. A bruxa assoprou um pó negro no rosto
da moça fazendo com que ela desmaiasse. Mas ela não somente
desmaiou como também começou a mudar, se transformar, envelhecendo
sem parar. Enquanto a moça envelhecia devagarzinho, uma fumaça cor
de prata subia do seu corpo e entrava direto no nariz da maldosa.
Na verdade o que
estava acontecendo era que a boniteza, a jovialidade, o rosto lindo
da moça passou para a bruxa, e toda feiúra, verrugas, pelos e
cabelos desgrenhados e narigão torto passaram para a jovem.
O pai da moça não
percebeu nada, pois tudo aconteceu no oculto da plantação. De
repente uma risada alta e estridente quebrou a tranquilidade da
natureza. O homem levantou os olhos e viu quando a megera saiu
pulando, rindo e pulando muito alto, cada pulo passava a altura da
copa dum pinheiro ou dum pé de eucalipto.
O pai saiu correndo
desesperado até onde se encontrava sua filha e a encontrou
desmaiada, feia, muito velha e toda embolotada de rugas e verrugas.
Com todo carinho que
tinha dentro no coração o pai pegou a filha nos braços e levou
para casa. Chegando lá a mãe da menina não suportou a terrível
visão e desmaiou. O pai se desmanchou em choro desesperado e
prometeu que haveria de encontrar uma cura.
Assim como existem
bruxas más, também existem bruxas boas. Assim como existem fadas
boas, também existem fadas más. E nosso homem sabia disso, pois já
ouvira falar duma bruxa que fazia remédios, despachos, mágicas e
benzimentos para o povinho da sua vila. O problema é que a tal vila
ficava a dois dias de viagem a pé pelo meio da mata.
O pai da moça pegou
uma mochila, colocou ali algum alimento, roupas e recomendou sua
mulher para que cuidasse bem da filha, que não recebesse ninguém,
nenhuma visita, até que retornasse com a cura.
Depois de um dia
inteiro de viagem e metade do outro, ele encontrou uma casinha de
palha onde morava uma velhinha. Uma velhinha muito velha, mas tão
velha que o homem ficou na dúvida se era bruxa, fada, fantasma ou se
a velhinha teria mais de trezentos anos.
Perguntando sobre a
bruxa boa, a velhinha ensinou o caminho e entrou rapidinho para
dentro de casa. O homem ficou ali parado na frente da casinha
pensando no por que da pressa e reparando na choupana de palha em que
ela morava. A choupana era feita de madeira, uma madeira de cor
preta. Não é tinta não! É uma madeira chamada ébano. Telhado de
palha. O que chamava atenção é que a choupana tinha dois andares,
com três janelinhas no telhado e varanda também coberta de palha,
varanda por toda a volta da casinha. Uma casa bem parecida é aquela
que tem depois da entrada do Piên, bem ao lado do rio.
O homem se dirigiu até
o endereço ensinado e encontrou uma casa bonita, grande e colorida,
feita de alvenaria. Uma moça se apresentou como dona da casa. O
pobre homem contou a sua história e a moça acabou por lhe revelar
um segredo. Aposto que ninguém nunca pensou sobre o que vou revelar
agora. Quer dizer, o que a moça bruxa revelou! “A magia das bruxas
vem do “coisa ruim”, do belzebu. Não pode ser desfeito por
qualquer outra magia. Somente modificado.
Vocês lembram-se da
Bela Adormecida? As fadas não puderam desfazer o feitiço da fada má
(por que fada má é bruxa), mas conseguiram modificar fazendo ela
dormir por cem anos. Então. Como eu ia dizendo...
Uma vez lançado o
feitiço, não tem mais jeito. O único que sabe desfazer esse tipo
de feitiço é o próprio belzebu, o próprio dono da mágica.
A bruxa boazinha (por
que bruxa boa é fada) ensinou que a única capaz de conseguir o
remédio para tamanho feitiço seria a própria avó do “coisa”.
Ela é muito antiga. Muito mais antiga que o próprio neto, e
conhecedora de todos os segredos dele! E para surpresa do pai, a moça
lhe ensinou que a vovó do “coisa ruim” morava na floresta
em uma casinha de dois andares, com três janelinhas em cima e toda
coberta de palha. Inclusive na varanda!
Mas claro! O homem já
havia passado por lá e até conversado com a tal velhinha!
Saiu apressado e
agradecendo pela informação. Não demorou muito e já cruzava por
dentro da floresta pelo mesmo carreiro que havia feito antes.
Conforme a mata se fechava por cima da sua cabaça tampando o sol do
dia, ele sabia que estava cada vez mais perto daquela choupana
estranha e da velhinha.
Quando o sol foi
escondido por completo pela mata e o breu tomou conta de tudo, uma
luzinha bem fraquinha apareceu lá no final do carreiro e um fumo
negro, mais negro do que a noite subia da chaminé da casa.
Assustado, ressabiado e meio que tremendo, bateu na porta: toc, toc,
toc!
A porta não abriu.
Olhou para a janela mas não viu movimento nenhum. Olhou para o pátio
da casa, para a mata, para as copas das árvores e arrepiado,
assustado, ressabiado e meio tremendo, bateu na porta: toc, toc, toc!
A porta não abriu.
Olhou para a janela e não viu movimento nenhum. Olhou para o pátio
da casa..., para a mata..., para as copas das árvores..., de
repente: nhéééééééééc (a porta abriu devagarzinho). - O que
o senhor deseja? Perguntou a velha de voz rangente.
O homem perguntou se
era ela a avó do “coisa ruim” o que ela respondeu de imediato
que sim, era ela mesma. Então o homem contou a sua história sobre a
bruxa que roubara a mocidade de sua filha e ele estava ali para
conseguir o remédio. A vovó falou que só o neto é que tinha os
ingredientes. Mas o pobre e desesperado homem implorou tanto, tanto,
tanto que acabou por amolecer o coração da velhinha.
A vovó pediu para que
o homem entrasse e explicou que seu neto estava pra chegar a qualquer
momento, e se ele (o homem) resolvesse ir embora toparia com o
próprio demônio pela estrada. O homem passou de todo arrepiado para
todo assustado, e de todo ressabiado para todo desesperado. Começou
a tremer inteiro quando a vovó lhe acalmou dizendo que o esconderia
a tempo. Também lhe falou que os ingredientes para o remédio era um
fio de cabelo do “coisa”, um toco da sua unha e a rapa do seu
garrão. Mas não seria nada fácil porque seu neto era muito raivoso
e esquentado.
Mal terminara de falar
e já se ouvia os passos do tenebroso estremecendo o chão da
floresta lá fora e fumegando tudo por onde passava de tão
esquentado que era. A vovó colocou o homem escondido dentro do
relógio cuco que se encontrava no alto da parede da sala (pois o
homem era pequeno e o relógio enorme), e foi fingir que estava
fazendo chazinho. O neto Belzebu entrou fazendo o maior rugido e
quase arrebentando a porta mostrou o saco de almas que havia tomado
do mundo. Almas que só haviam feito o que ele queria que fizesse, ou
seja, maldades.
A vovó perguntou se o
neto não estava cansado de tanto trabalhar e convidou-o para se
sentar. Trouxe uma almofada grande para que ele pudesse esticar os
pés e tirou seus sapatos para ver as unhas e o garrão. Do pé saia
uma fumaça fedorenta e quente e do sapato também. Quando a vovó do
“coisa ruim” estava levando o sapato lá para fora, ele perguntou
por que a casa estava cheirando à carne de gente viva. Ela respondeu
que não era nada, seu nariz é que tinha cheirado muita gente na
hora de por no saco. E falando com jeitinho pro esquentado não
esquentar ainda mais, e fazendo massagem no pé dele começou a
aparar suas unhas. Um tic, dois tics, três tics e o neto já estava
com raiva. Perguntou se sua avó não sabia que ele detestava cortar
as unhas. Ela falou que então ia deixar daquele jeito mesmo, e
guardando os toquinhos que cortara, deu a volta na poltrona e começou
a fazer cafuné na cabeleira dele dizendo que ele tinha pegado piolho
das pessoas que estavam no saco. Segurou um fiozinho e com muito
jeito cortou e guardou junto com os cavacos de unha. O neto Belzebu
estranhou as gentilezas da avó e perguntou se ela estava se sentindo
bem o que respondeu que “véia” é cheia de manias assim mesmo.
Deu a volta de novo e fingiu que punha chinelos nos pés do neto,
quando lhe deu um forte arranhão no garrão que foi cavaco pra todo
lado. Belzebu deu um pulo da poltrona fumegando de raiva e disse aos
berros que sua avó já passava dos limites, que além de “véia”
cheia de manias ainda era caduca do juízo, e foi para seu quarto
dormir que ficava num buraco enorme e bem fundo no chão da terra.
Mais que depressa ela
tirou o homem do relógio, entregou a rapa do garrão, os cavacos de
unha e o fio de cabelo tudo num saquinho e empurrou-o porta a fora
dizendo que era só moer bem moidinho até tudo virar um pó preto e
assoprar no rosto da jovem. Dizendo isto fechou a porta e não saiu
mais.
O pai da moça tratou
logo de voltar pra casa, pois sabia que teria dois dias de viagem.
Não encontrou incomodação nenhuma pelo caminho e nem sentiu fome.
Pensou até que algum anjo o estava ajudando. Ou era a avó do “coisa
ruim”? Ou a moça bruxa da vila? Só tinha certeza era que
conseguira o remédio para quebrar o feitiço e estava feliz da vida.
Quando chegou em casa
foi logo beijando a esposa e colocando os ingredientes do saquinho
numa tigela de barro. Depois pegou um socador e moeu tudo até virar
pó. Ficou espantado que as unhas, o cabelo e as cascas do garrão se
moessem tão facilmente dentro do pote. Depois virou a tigela na mão
da sua esposa. Ela foi bem devagarzinho com o maior cuidado até o
quarto da filha e lhe assoprou o pó no rosto. Conforme a moça ia
respirando, o pó negro entrava-lhe pelas narinas, e à medida que
sumia lá pra dentro a jovialidade e saúde da jovem retornava com
todo o seu esplendor.
Em algum lugar desse
mundão, uma bruxa tomava chá e se olhava no espelho admirando sua
beleza! Mas então..., foi envelhecendo, envelhecendo, envelhecendo
até que só sobrou os ossinhos dela amontoados no chão.
Eber