No tempo em que se
malhava o ferro e este chingava por ser malhado, um caso muito antigo
na verdade e comentado até os dias de hoje, é que passou por estas
bandas uma aparição totalmente diferente das do convencional!
Um colono, senhor de
muitas terras, resolveu arrendar algumas pessoas para rosar-lhe o
mato, que por sinal, era de perder de vista. Apareceram seis peões
para o serviço. Foi-lhes dito que começassem logo no dia seguinte
bem cedo. E assim ficou combinado. Naquele mesmo dia, lá pelas
tantas da tarde, apareceu um jovem pedindo poso e serviço. O senhor
colono avisou que realmente estava precisando de mais um para
completar o pelotão da roçada, só que para o poso teria como
acomodação uma caminha velha de colchão de palha, chamada de cama
turca, na estufa de fumo.
O jovem, que tinha uma
fala grossa de se espantar, disse que estava ótimo, mas a única
coisa que queria como pagamento fosse comida. Gostaria de comer bem
em todas as horas das refeições.
O colono ficou
surpreso com a proposta, mas concordou, achando até graça no tipo
da conversa. Chamou sua mulher e avisou que preparasse comida aos
trabalhadores, só que servisse um pouco mais para aquele jovem da
voz grossa, que só pediu comida como pagamento.
A mulher, curiosa para
ver quem era o dito cujo, foi espiar pela fresta da porta da estufa
e, o que ela viu foi um jovem muito formoso, bonito além da conta,
que trajava calça brim preta e camisa branca, muito bem limpas. Não
se podia ver uma manchinha sequer. Cabelos negros compridos até o
pescoço e olhos azuis bem forte, como duas pecas, ou bolicas de
vidro, como queiram chamar. Um par de botas preto reluzente que dava
gosto de ver seu lustro.
Passou sentado na cama
à noite inteira sem pregar o olho, com uma velinha na mão, quando
essa se apagava, logo acendia outra, até que clareou o dia.
Logo cedo, foi servido
o café com muito reforço. Torrada, geléia, leite, requeijão, café
bem forte que era pra animar os trabalhadores, pão em forma de
sanduíche com mais de um palmo de largura, banha salgada com
toucinhos misturado, manteiga, bolinho de chuva, queijo de fatia
grossa, boi ralado ao molho seco e muita mandioca frita.
A mulher do colono
realmente havia caprichado, mas na verdade, ela desconfiava que o
rapaz pudesse comer muito além dos demais. E não é que ela estava
mais do que certa?
O moço comia numa
velocidade impressionante, devorando tudo o que tinha na mesa, a
ponto de não sobrar quase nada para os demais. A mulher se apressou
em fazer mais mandioca, mais bolinhos, mais tudo para os demais
trabalhadores, porque se não iriam ficar sem comer. Passado meia
hora, o moço se levantou sem dizer nada e foi pro roçado. Pegou a
foice e descambou no mato com uma violência que parecia um louco
ensandecido, uma máquina em vez de gente. Logo os outros peões
vieram e puseram-se ao trabalho, mas nenhum quis se aproximar daquele
sujeito esquisito. Tomaram posição de um lado do terreno enquanto o
outro ficava sozinho do outro lado.
Vejam só! Passados
somente quinze minutos, o grupo havia roçado cerca de quinze metros,
enquanto o moço já havia roçado mais de cento e cinquenta metros.
Conforme ele avançava, os demais iam ficando cada vez mais
assombrados com o que estavam vendo. Em uma hora de serviço o moço
já estava em uma quarta de alqueire, enquanto os demais ficavam lá
para trás.
O colono veio
oferecendo água para os trabalhadores. Estavam ele, sua mulher e seu
filho mais velho com jarras grandes de água fresca. Todos suavam à
bica pois desde cedo já fazia um calor tremendo. Quando chegou a vez
do moço esquisito, tiveram uma surpresa. Não suava e nem cansado
estava! Tomou somente um gole do copo que lhe foi oferecido e, sem
agradecer, voltou ao trabalho com mesma energia e violência de
antes.
O certo é que a
família já começava a ficar assombrada com aquele sujeito. O
colono por sua vez, maquinava um jeito de por fim àquela situação,
só que tinha receio de se aproximar daquela máquina que não parava
nunca. Tocos despedaçavam, arbustos voavam feitos pedaços de palha
pra todo lado, tufos de terra esburacavam do chão e voavam longe, de
forma que com duas horas de serviço, teve de ser trocada a sua
foice, cuja lâmina não sobrava mais do que um toco desdentado e
todo rachado.
Quando o relógio
bateu meio dia, ele havia feito mais de uma quarta de chão, enquanto
os demais estavam tão lá trás, queque mal podia se ver suas
cabecinhas. É claro que o grupo levaria uns três dias para
completar o serviço, enquanto que o moço já havia feito a metade
do seu.
Se apresentou para o
almoço. Notaram que não se lavou, nem foi ao banheiro. Não estava
cansado e muito menos suado. Suas roupas permaneciam impecáveis, tal
qual quando chegara no dia anterior. Sentou e se tramou a comer como
se tivesse cem anos de fome. Quanto mais a mulher servia, mais o dito
comia. Já que o prato não dava conta, a mulher lhe servia a comida
numa tigela grande, mas mesmo que ela virasse toda a panela ali pra
dentro, não sobrava nada, e ele, com sua voz de caverna, pedia mais!
Quando os demais
homens vieram para o almoço, já devidamente limpos, encontraram as
panelas vazias e o moço com a mão em outra foice novinha, indo pro
mato continuar seu trabalho. O jeito foi esperar a mulher fazer mais
comida. Olharam pra mesa e deu pra perceber o que meia hora antes
havia tido dentro daquelas panelas: na forma um leitão inteiro, no
tacho costela de gado, no fogão a lenha em duas formas, dois frangos
dos bem grandes, afora os tachos de arroz, feijão, macarrão, farofa
de biju, torresmo salada de tomate, alface, berinjela.
Enquanto o novo almoço
saía, os homens rodearam o colono e começaram a dar-lhe conselhos
de que se livrasse do indivíduo o mais rápido possível. Achavam
que a situação era tenebrosa e insuportavelmente anormal. Com
certeza aquilo que estava trabalhando com eles não era humano! Não
era gente! Nem deste mundo!!
Após ouvir as
opiniões de espanto e preocupação de cada um daqueles peões por
uma hora mais ou menos, o colono pegou um machado como quem está
indo ajudar no trabalho, e foi de encontro à criatura. Chegando
percebeu que o terreno havia sido revirado como se por uma colher
enorme. Olhou em volta... aquilo se perdia de vista, tudo revirado, o
mato todo arrebentado. Se aproximou por de trás do moço e pediu uma
prosa. O moço nem aí. Então falou mais alto que queria falar-lhe,
mas o moço só se importava em esvoaçar galhos, tocos e terra pra
todo o lado, completamente surdo. O colono com medo de chegar mais
perto, com o cabo do machado cutucou-lhe pelas costas. O que sentiu
foi como se tivesse encostado numa pedra muito pesada, pois o cabo
não afundou nem um milímetro na pele da criatura. Tentou empurrar,
mas era como se empurrasse um trator, ou outra máquina muito grande.
Tomando coragem, resolveu pegar-lhe o ombro e foi jogado cinco metros
para trás como se fosse um travesseiro. Meio atordoado, o colono se
levantou do chão e foi aí que percebeu: O moço tanto roçava com a
foice, como com os braços, e nesse movimento louco e desembestado
nada parava diante dele. Foi exatamente em desses movimentos dos
braços que jogou o pobre homem pra longe.
Mais decidido do que
nunca, juntou o machado do chão e firmou-o com as duas mãos,
sentindo-as doerem de tanta força que fazia, precipitou-se pra cima
da criatura mirando sua cabeça. O machado desceu veloz e potente,
como só um lenhador experiente pode descrever. O aço do machado
acertou a cabeça bem no meio do cocuruto e..., por tudo o que é
sagrado nesse mundo, ouviu-se um barulho de ferro batendo numa
bigorna e no mesmo instante, o machado voava pelos ares levando os
braços do colono com ele.
O colono grita de dor
sentindo como que se levasse um choque elétrico potente e cai no
chão. Com dificuldade tenta se levantar, mas está com o corpo
dolorido e os braços amortecidos. Uma sombra tampa o sol a sua
frente, quando levanta os olhos, o moço o está olhando com os
dentes cerrados e os olhos franzidos. Com aquela voz peculiar de
caverna pergunta – O que é que você está fazendo? - então o
corpo do moço (ou da criatura), foi se desfazendo, evaporando, se
dissolvendo em uma nevoa misturada com a luz do sol. Como se nevoa e
luz fossem uma coisa só, até que sumiu de vez. Mortificado de
assombro pela visão que acabara de ter, o colono se levanta e corre
aos tropeções pelo terreno revirado. Logo adiante já encontra os
trabalhadores e toda a sua família que também, indubitavelmente
assistiram ao espetáculo.
Eber