Onde posso por?
(Piên
– Poço Frio – 2011.)
Conta-se pelo povo da
localidade de Poço Frio, quando falo povo é porque todos conhecem
esse fato, que na ponte da igreja e nos arredores dali volta e meia
alguém topava com um homem de terno branco e uma estaca em cada mão,
passeando durante a madrugada e dizendo sem parar, onde eu posso por?
Depois de um certo
tempo o homem parou de aparecer nas redondezas da igreja e começou a
cercar as pessoas em cima da ponte sempre com a mesma pergunta: -
“onde posso por?”
Um dia vinha passando
pela ponte uma família, lá pelas 11 horas da noite, quando
avistaram o homem de branco que vinha em sentido contrário deles,
também cruzando a ponte. Como já se sabia da existência do tal
individuo, todos firmaram os passos e não levantaram a cabeça
imaginando que o homem passaria por eles sem lhes dirigir a palavra.
Mas quando se emparelharam lado a lado, o homem parou, virou-se para
eles e perguntou com uma voz que mais parecia ter saído duma
manilha: - onde eu posso colocar? – O pessoal paralisou no lugar
onde estavam, mas viram bem com quem estavam falando.
O homem vestia sapatos
brancos tão lustrados que ardiam os olhos, vestia um terno tão
alvo, tão branco que cegava as vistas, segurava uns marcos de
madeira tão branca como neve, tinha o rosto tão branco que parecia
mais cera de vela.
O pessoal que viu
aquilo ficou tão apavorado que saíram correndo de cima da ponte e
nem sequer olharam para trás. Quando chegaram em casa contaram para
o senhor pai da família. O homem ficou pensando, não disse nada,
mas resolveu averiguar se era mesmo o que estava desconfiado.
Acontece que ele sabia dum ocorrido que teve a algum tempo naquelas
terras e conhecia o homem que morrera. Esse homem era muito poderoso,
dono de muitas terras, só que tinha mania esquisita de arrancar os
marcos de seus terrenos, quando morreu, não havia sossego para ele
enquanto alguém não lhe mandasse por de volta.
Na próxima noite o
pai corajoso esperou dar o mesmo horário que sua família havia
encontrado o individuo e se foi para o meio da ponte. Não esperou
muito, lá veio o homem de branco repetindo sem parar, sem pressa,
bem devagar: - onde posso por? Onde posso por? –
O pai valente gritou para a visagem – “coloque aonde você
arrancou!” – Naquele momento, a visagem foi se elevando no
ar, como que sem peso nenhum, cruzou por entre as muretas laterais da
ponte (naquele tempo a ponte tinha muretas), e entrou dentro das
águas do rio. Quando estava bem debaixo da ponte fincou suas estacas
na areia barrenta e funda.
O corpo branco da alma
penada foi se dissolvendo nas águas, e conforme a correnteza
passava, o corpo branco liquefeito acompanhava as ondas até não
restar mais nem uma réstia dela.
Diz que as estacas
estão lá ainda plantadas, fixas debaixo da ponte. Toda vez que
alguém, inocentemente resolver nadar e arrancar as estacas do seu
lugar, a criatura ressurge! Para que ela vá embora novamente,
deve-se mandar que ela finque as estacas no rio. Se não fincará no
seu coração!
Eber