terça-feira, 4 de agosto de 2015

Macumba pro Lobisomem

 Uma coisa que ninguém sabe é que Piên já teve bruxa, não aquelas feiosas verruguentas, comedoras de criancinhas, ou as importadas que voam de vassouras com chapelões enormes, mas uma velha até que bem simpática procurada por muita gente.
Procuravam dona Grena Machado para as mais variadas situações. Desde tirar quebrante de neném, arranjar namorados bonitões para as moças faceiras até esconjurar pragas das plantações dos colonos desesperados e espantar “encostos” de pessoas ou residências, desses espíritos grudentos que quando agarram no pé da gente, não largam mais.
Dona Grena, ouvia-se falar, tinha algumas irmãs espalhadas pela região: dona Grena Ponta-Aguda morou em Agudos, dona Grena Tapuia próximo de Quitandinha, dona Grena Matados era muito afamada em Lajeado dos Mortos, mas foram sumindo sem que ninguém soubesse explicar para onde foram ou o que aconteceu.
A velhinha morava sozinha e a maioria dos seus despachos ou trabalhos fazia em casa, recebendo todos ali mesmo como se fosse consulta médica, por isso nunca se ausentava de casa, somente quando precisava comprar alguma coisa na feira é que saia, mas voltava rapidinho.
Sua adorável companhia de todo dia era uma cachorrada sem fim. Muitos mesmo! A matilha era enorme e todos vira-latas, mas muitíssimos obedientes à sua dona que nunca se esquecia de dar restos de comidas com animais pequenos descarnados misturados a ossos. Sempre havia muito osso para a cachorrada.
Dona Grena Machado começou a ficar preocupada com seus companheiros de estimação, porque na hora de comer, seja durante a tarde ou à noite alta, faziam um alarido danado latindo e correndo como desesperados, além de que ela notava que emagreciam a cada dia. Reclamou para seu compadre, que lhe era de muita estima. Este estava sempre por ali prestando algum servicinho em favor de fumo ou dum bom papo com dona Grena, principalmente quando o assunto era sobre seus trabalhos de magia, que cá entre nós, chamaremos de simpatias simpáticas, está certo?
A única coisa que ouviu como resposta ao assunto foi que os animais são barulhentos mesmo, e só. Ficou assim.
Certo dia, dona Grena fez uma experiência. Colocou bastante osso em meio à comida e levou lá para o meio da estrada onde era o lugar mais limpo de mato e bem iluminado pela lua para poder ver bem o que acontecia e ficou vigiando. Enquanto a cachorrada comia, veio saindo do mato, do outro lado da estrada, um cachorrão enorme, extremamente peludo e orelhudo, garras compridíssimas e passos lentos. À medida que foi se aproximando da comida os cachorros foram se afastando e deixando tudo para ele.
Tão logo terminou de comer voltou para o mato com todos os cachorros fazendo o maior escarcéu à sua volta. No outro dia era quaresma e segundo as tradições bruxais, dona Grená sabia que esse dia é que os feitiços são mais fortes, então preparou uma armadilha.
Com espinheiros de roseta e losna amarga, tudo bem seco, fez macumba num pé de Cinamomo. Colocou tudo rodeando o tronco e com três velas, uma vermelha, uma preta e outra amarela, deixou que queimassem até ao fim. Tinha de ser tudo durante a noite diante da luz da lua. Quando as velas já chegavam ao fim, o fogo pegou nas ervas seca e fez muita fumaça, fumaça que iluminada pela luz da lua tornava-se muito branca, subindo pelo tronco e se espalhando entre as folhas. No final a árvore brilhava com a mesma brancura da fumaça iluminada, ou seja, estava encantada.
No outro dia, o grande dia da quaresma, ela, dona Grena preparou bastante ossos para os cachorros, mas não deu durante aquele dia, deixou para dar durante a noite, pois já desconfiava que quem comandava os cachorros e comia suas comidas era um lobisomem. Fez questão, em uma determinada hora da noite, de por tudo em redor do pé da árvore encantada e ficou de longe espiando.
Como da outra vez, os animais começaram a comer, logo veio surgindo a figura enorme e peluda que foi se apossando da comida enquanto os cachorros se afastavam na maior latição. Só que aconteceu que... quando o lobisomem estava comendo, rosou o corpo na árvore e grudou. Notou que seus pelos estavam presos ao tronco e quando foi querer se livrar, grudou mais ainda e começou a subir como que puxado pela própria árvore. Em meio a urros de ladração o bicho se viu emaranhado nos galhos que se fecharam e o aprisionaram. Aí a velhinha foi dormir seu sono simpático com dois algodõezinhos no ouvido, que é para não ouvir muito barulho àquela noite.
Nossa simpática e mágica vovozinha, no outro dia, levantou feliz, mais descansada, sentindo um jeito alegre no ar. Tomou seu chazinho com torradas, deixou a mesa limpa e foi para o terreiro a fim de dar milho para as galinhas. Quando avistou a árvore de Cinamomo na beira da estrada a qual tinha feito a macumba, lembrou do lobisomem que ainda deveria estar preso lá. Foi conferir.
Qual foi o susto pela visão, e maior ainda o espanto de ver, preso entre os galhos, pelado, seu estimado compadre.
Ao ver dona Grena, suplicou por socorro, pelo que ela lhe explicou que a macumba só passaria se repetisse o trabalho tudo de novo durante a noite. Só então a árvore desencantaria e ele desceria.
Teve de ficar naquela situação durante todo o dia, quando chegou alta hora da noite, dona Grena fez o trabalho novamente e foi dormir. Não quis esperar as velas terminarem de queimar, primeiro por que sendo velhinha, precisava descansar, segundo por que uma senhora de respeito não tinha nada que ficar ali vendo seu compadre descer duma árvore todo pelado. Então disse boa noite e foi dormir.
Mas o verdadeiro receio dela sabem qual era? Que ela viesse a virar Mula-Sem-Cabeça, pois ainda era véspera de quaresma! Ah! E o compadre?

Esse fugiu, depois sumiu,
E nunca ninguém viu...
Foi pra Mongólia?
Perdeu a vitória...
Acabou-se a glória.