quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Você sabe quem era???



Meu pai conta que certa noite voltava com um grupo de amigos do sarau, como era chamado naquela época.
Estavam vindo pela rua conversando besteira e falando alto, como é de costume destes grupos de jovens, que não interessa a época do mundo, sempre agirão com a mesma natureza da rebeldia e intolerância que lhe são peculiares.
A rua era larga, mais ou menos dezoito metros de um acostamento a outro, e uma reta de se perder de vista. Cheios de subidas e decidas, hora leve, hora pesada. O grupo descia a ladeira forte que obrigatoriamente passava em frente a um cemitério.
O horário de um sarau terminar, como qualquer outra festa noturna, sempre é lá pelas tantas da madrugada. Nosso grupo de jovens vinha despreocupadamente, com já disse, duas e quarenta da madrugada. Madrugada iluminada somente pela lua, e lá em baixo da ladeira, um postezinho que mal iluminava o portão de entrada para o cemitério. De onde eles estavam mais ou menos cinqüenta metros acima, o poste mais parecia um palito de fósforo com uma brasinha ao lado.
Conforme se aproximavam do portão, tomava forma em meios as sombras uma figura de pessoa. Um dos jovens chamou a atenção dos demais alertando para aquela presença inesperada, e por que não dizer, duvidosa! Perturbadora!
A dita pessoa vinha caminhando, muito lentamente, no sentido contrário da deles, rente o muro do cemitério em direção ao portão da entrada. Era alto, dois metros ou mais. Com o chapéu de abas largas e bico empinado dava-se a impressão que mais alto ainda era. Uma capa negra lhe escorria pelas costas dando a visão de que chapéu, cabeleira e capa faziam parte de uma fundição só.
O grupo toma a decisão de atravessar a rua para o lado contrario ao da figura.
Com os olhos fixos na sombra imensa que se esgueirava, ajudados pela luz do postezinho, viram quando entrou pelo portão do cemitério e sumiu lá dentro.
O portão era alto e arredondado, com mais ou menos três metros de envergadura, de ferro enferrujado, lanças pontudas e molduras circulares. Uma corrente grossa com gomos como a palma da mão, enrolada fechava fortemente os dois lados do imenso portão. (Perceberam o detalhe?).
Quando o grupo de amigos se aproximou de frente para o portão, perceberam o inevitável e inconfundível detalhe! Mesmo estando do outro lado da rua podiam ver nitidamente as grossas correntes e o enorme cadeado que trancava o imenso portão de ferro. Então como é que aquele cidadão entrou "caminhando tranquilamente" sem ao menos parar para abri-lo?
A muralha do cemitério em questão tinha a dimensão de mais ou menos oitenta metros de extensão por quatro metros e meio de altura, de modo que não se podia ver nada do outro lado. Todo feito por postes de encaixe lateral e placas de concreto amontoado em cima um do outro deixando falhas de frestas que hora lhes escapavam capins e musgos bolorentos, hora somente o olho negro dum buraco quebrado.
Os rapazes nunca se importaram com crendices e mitologias mas, ficar para conferir é que não iriam. Um deu uma cotovelada no mais próximo e este no outro até que todos, no mais completo silêncio, avisados pelo olhar, avistaram por cima do muro a figura do chapéu e capa preta acompanhando, como que caminhando pelo lado de dentro do muro.
O que se via nitidamente era do quadril para cima. Notadamente caminhava devagar e a passos largos, de modo que acompanhava o grupo tranquilamente. Num determinado momento, antes do muro acabar, virou a cabeça e mesmo com toda a escuridão os jovens viram...!! Por debaixo do chapelão, um par de olhos grandes e vermelhos e logo abaixo duas ventas soltando fumaça.
A correria foi tão desesperada que chinelos, sapatos, sandálias, brilhantina, lenços e relógios foram se perdendo pela subida-a-fora até que cada um chegou na sua casa com “dois metros de língua” pra fora da boca e aterrorizados.
Depois disso levou quase um ano para saírem à noite novamente.

Eber