A
assombração de cada mobília
(Piên, 29 de Março de 1961.)
Conta-se que por estas
terras, mais precisamente entre Quicé e Vermelhinho, existia uma
casa de madeira enorme. A casa por certo deveria ter sido usada por
senhores de fazendas, aqueles coronéis de muitas terras onde tinham
a seu favor um número enorme de serviçais tanto dentro dos casarões
como nas plantações.
No caso deste conto não
se aplica à época citada e em nem uma outra, pois o tempo passou
rápido e o que se vê agora é uma casa velha na verdade, mas firme
em sua exuberância de porte grandioso que fora um dia.
Com mais de quatro
metros de altura do assoalho ao forro em seu interior, com uma
cumeeira de oito metros de altura que nos remete à cultura européia
trazida com as imigrações de uma época de refúgio para o Brasil.
De largo a casa teria vinte e cinco metros por setenta de comprimento
com seus quatorzes cômodos contando a parte de baixo e cima juntos.
Hora, aconteceu que
estando a família reunida um dia esperando a hora da janta, bateu a
porta um homem pedindo poso porque vinha de uma andança muito longa
e precisava pernoitar em algum lugar. O que a família não imaginava
era que o dito estava ali para espionar a rotina da casa, o que logo
constatou que entrara numa mina de ouro pois, os móveis e a prataria
eram de uma qualidade e valores sem igual.
Tomou um bom banho,
jantou, conversou, contou causos e ganhou a confiança da família.
Assim que todos se retiraram cada um para seus quartos, ele também
se foi para um que lhe foi oferecido, trancou a porta e dirigiu-se
até a janela. Com olhos sagazes vasculhou a escuridão da noite e
pode diferenciar os lugares aonde se escondia cada um dos comparsas
no meio da plantação. Eram oito e estavam armados até os dentes de
revolveres, facas, espingardas e sei lá mais o que.
Pegou duma funda,
ajeitou um pano embebido de cachaça, enrolou numa pedra, tacou fogo
e girou sobre si fazendo-a disparar em meio à escuridão da noite.
Esse era o aviso combinado. Sem demora e casa um sabendo do que tinha
de fazer, foram se aproximando da casa com movimentos rápidos e
furtivos, como se fossem sombras vivas fazendo parte da escuridão
total. Com um pé-de-cabra quebraram a fechadura da porta da frente e
entraram, todos de uma vez só, fazendo o maior estardalhaço, todos
gritando e atirando para o alto.
Todos da casa pularam
das camas e se precipitaram para o corredor, mas o primeiro que se
encontrava já no topo da escada que descia para os cômodos de baixo
era o pai da família, de modo que não permitiu que ninguém
descesse, antes escondeu todos por detrás duma prateleira rústica
que na verdade era uma porta que escondia uma escada que levava até
o sótão da casa.
Acontece que essas
casas possuem um sistema de paredes duplas de modo que quem está no
sótão acaba escutando todos os barulhos e conversas que vem dos
diferentes cômodos, de modo que se podia escutar tudo o que se
passava lá embaixo. E o que escutaram foi o seguinte:
No momento que
invadiram a residência, logo se ocuparam de empreender o maior
estardalhaço possível sendo que três enveredaram pela porta da
esquerda que dava para uma sala de jantar enquanto outros três
começaram a revirar a sala de hóspedes. Os dois que sobraram foram
direto para os cômodos dos fundos onde se viram dentro de um salão
enorme, com aparência de salão de festas todo encortinado, tanto
janelas como paredes, sendo que, para cada cortina escondia uma
cristaleira enorme com cristais e pratarias. Os assaltantes urraram
de felicidade.
Só que num
determinado momento, quando um deles abre um dos móveis, de dentro
sai uma mulher. O assaltante leva um susto e pergunta como ela fez
aquilo. A mulher aponta o dedo para o nariz do homem fazendo sinal de
que ali não era pra ser mexido, só então o ladrão percebeu – a
mulher era transparente.
Quando ele com dois
passos pra trás quis gritar para os demais chegou-lhe aos ouvidos
uma gritaria enorme que o ensurdeceu por completo. Numa reação
involuntária virou o rosto para ver o que estava acontecendo qual
não foi a surpresa que presenciou:
Estavam todos
desembalados numa correria frenética e gritando por tudo quanto é
santo a que viessem acudir, pois todos, há um tempo só viram a
mesma coisa. Os ladrões da sala de jantar deram com a mesa de vinte
cadeiras todas ocupada por aquelas criaturas transparente. Os as sala
de hóspedes viram um casal de velhos namorando no sofá enquanto
crianças ocupavam sentadas e por cima das poltronas adjacentes e
mais três jovens revirando uma estante de livros e como já
mencionei – todos transparentes.
Na sala que
supostamente era de festas começaram a sair pessoas, uma para cada
cristaleira, atravessavam as cortinas como se elas fossem de névoa e
logo todo o salão se encheu de gente, todas atravessando uma as
outras e atravessavam os ladrões também, sempre fazendo o mesmo
sinal para que não fosse mexido em nada. A casa ficou tão
abarrotada de espíritos que os ladrões não se enxergavam nem a
eles mesmos, muito menos para onde correr, até que não se
agüentando de pavor começaram a desmaiar. Os que não desmaiavam se
chocavam contra as paredes e móveis da casa espatifando no chão com
a cabeça ou a cara quebrada.
Quatro ficaram
estendidos inconscientes, dois pelo salão principal e dois na
cozinha. Os outros quebrados e ensangüentados enveredaram porta a
fora, mas o que encontraram foi bem pior. Uma horda de criaturas
transparentes como véu estavam esperando do lado de fora, todos
mostrando o mesmo sinal com as mãos (como já mencionei), para que
não mexessem em nada, com a diferença de que agora elas eram
descarnadas e suas faces eram de caveiras sorridentes e olhos ocos.
O alarido de pavor foi
tão grande que até os da casa se apavoraram com tal gritaria.
Dava-se a impressão que dos ladrões não estava sobrando nenhum,
pois alguma criatura desconhecida os devorava, mas a família não
via absolutamente nada!
Após cessar a
confusão, esperaram-se mais um bom tempo e só então desceram para
averiguar os estragos, qual não foi a surpresa, encontraram tudo no
lugar, sem bagunça ou quebrados. A única diferença era os quatro
assaltantes desmaiados pela casa e manchas de sangue pelos cantos das
paredes e móveis.
Eber